Evitar os quilos a mais é muito mais complexo do que se supõe. Na equação, entram a herança genética, a evolução e o comportamento à mesa. Mesmo assim, está provado que mudanças tão simples como comer mais devagar ou cortar 100 calorias por dia podem fazer a diferença entre a elegância e a vergonha ao espelho. Passe à frente quem nunca lutou com a balança.
Está tudo contra nós quando se trata de manter o peso ideal: a evolução, as leis do mercado e o tempo. Esqueçamos, de momento, os dois primeiros fatores e concentremo-nos no tempo. Em concreto, nos minutos que dedicamos ao almoço e ao jantar. Num estudo feito com crianças e adolescentes, demonstrou que comer devagar leva à perda de peso e, ainda mais surpreendente, à normalização dos níveis das hormonas relacionadas com as sensações de fome e saciedade.
A investigação decorreu em Inglaterra, com pacientes da consulta de obesidade do Hospital Pediátrico de Bristol. «Eram miúdos com obesidade mórbida e que, por isso, tinham sido encaminhados para o hospital», durante doze meses, usaram uma espécie de balança por baixo do prato (Mandometer) que apitava sempre que os talheres iam depressa de mais à comida. Além de serem obrigados a diminuir o ritmo, receberam aconselhamento nutricional e foram encorajados a praticar exercício físico. O grupo de controlo (composto por crianças e adolescentes com o mesmo perfil e utilizado para comparar os resultados) apenas recebeu indicações sobre alimentação saudável e prática de desporto.
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Ao fim de um ano, os jovens não só tinham perdido mais peso e mais gordura corporal do que os do grupo de controlo como apresentavam uma evidente normalização da grelina, substância segregada no estômago e conhecida como a hormona da fome, e do péptido YY, produzido no intestino e relacionado com a sensação de saciedade. «Acreditamos que o efeito nos índices da grelina, semelhante ao que acontece após a cirurgia bariátrica [operação de redução do tamanho do estómago, aplicada como tratamento da obesidade], pode estar relacionado com o facto de, nas duas intervenções, ser necessário reduzir a velocidade de ingestão», lê-se no artigo científico publicado em fevereiro no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism.
Os jovens também foram diminuindo naturalmente a quantidade de comida, sem deixarem de se sentir satisfeitos. «Estes resultados reforçam a importância da terapia comportamental, do doente e também da família, no tratamento da obesidade na infância, adolescência e até no adulto», anima-se a cirurgia Leonor Manaças, 47 anos, especializada em cirurgia bariátrica, que alerta para o facto de ser necessário um estudo a longo prazo — cinco ou dez anos — para que não restem dúvidas.
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APRENDER A COMER
Rita Faria, 31 anos, assistente administrativa, também foi obrigada a comer devagar. Mesmo que quisesse voltar às refeições em cinco minutos e aos pratos cheios, não conseguiria. Há um ano e meio, Rita sujeitou-se a uma cirurgia sleeve — uma técnica em que 80% do estômago é removido, depois de ter tentado todas as dietas e métodos de emagrecimento disponíveis.
Sempre acusou peso a mais, sempre comeu depressa. «Desde os tempos da escola que me habituei a almoçar à pressa. Além disso, gostava e gosto muito de comer», conta. Após a cirurgia, perdeu 40 quilos, exibindo agora um corpo elegante a que ainda não se habituou. «Como muito menos e muito mais devagar. Mesmo um copo de água tem de ser bebido aos golos e nunca todo de uma vez.» No início, quando se esquecia das novas regras, o estômago reduzido dava logo sinal.
Para as crianças inglesas, a adaptação também não foi fácil. A princípio, queriam desistir da experiência e ver-se livres da máquina irritante que repetia «Por favor, coma mais devagar», como um mantra. «Estes miúdos não comiam, aspiravam os alimentos», ilustra Júlia Galhardo. «Mas ao fim de um ano, já nem precisavam de aparelho nenhum para respeitar os tempos recomendados. Tinham-se habituado a demorar pelo menos 15 minutos a comer e a ficar cheios com cada vez menos quantidade de comida.»
Seis meses após o fim do estudo, os «miúdos do relógio» continuavam a seguir os novos hábitos e a perder peso. E as mudanças estendiam-se a toda a família. «Uma vez que do estudo faziam parte adolescentes, podemos supor que os resultados são extensíveis a adultos», esclarece a pediatra. Por outro lado, os membros do grupo de controlo, que só tinham praticado ginástica e recebido aconselhamento dietético durante a experiência, haviam regredido.
«Não se trata de fazer dieta, mas de aprender a comer», defende Júlia Galhardo. Medidas fáceis de implementar e que deixam marca na balança, no espelho e na saúde: «O almoço e o jantar devem ser tomados em família, sem televisão e nunca em menos de meia hora.» Segundo a investigadora, este tempo é necessário para que o cérebro se aperceba de que estamos a alimentar-nos e se formar a sensação de saciedade. Um conhecimento do senso comum, admite a médica — que recebeu o prémio Henning Andersen, da Sociedade Europeia de Endocrinologia Pediátrica —, mas cujo impacto nas hormonas que regulam a dicotomia fome/saciedade nunca fora avaliado.